O terapeuta americano Russell Ira Jones é um dos fundadores da Associação Brasileira do Trauma e tem formação com Peter Levine, idealizador do método. Confira trechos da entrevista concedida a Zero Hora.
O que é experiência somática?
Somática vem do grego e quer dizer corpo, experiência é sentir. É uma abordagem de trabalhar com trauma, estresse, estresse pós-traumático e todos sintomas e efeitos através da fisiologia. Quer dizer: em todos os níveis, começando com a parte corporal, mas trabalhando com o emocional e o cognitivo. A abordagem é feita focada na parte fisiológica e no sistema nervoso autônomo, que governa os nossos sistemas básicos de sobrevivência.
Qual é o conceito de trauma sob o ponto de vista da experiência somática?
Tem definições mais específicas, mas a nossa é maior. É qualquer coisa que sobrecarregou o sistema, que foi rápido demais, forte demais ou cedo demais para a pessoa lidar. Pode ter machucado o corporal, o emocional, o psicológico, todos os níveis.
O senhor poderia dar um exemplo?
Uma pessoa com síndrome do pânico. Trabalhando com essa abordagem, a gente faz de forma bem dosada, aos poucos. É muito importante não entrar direto e sobrecarregar. Tem que adaptar qual é a dosagem certa, quanto a pessoa pode digerir, trabalhar, descarregar.
Esse trabalho é feito em consultório ou há outras formas?
O trabalho em si é feito em consultório e sempre está ligado com o processo pessoal, como a pessoa pode levar para a vida: ir mais devagar, ter mais cuidado, deixar mais espaço, perceber o que engata o problema e os sintomas.
O trauma é decorrente sempre de um fato muito marcante ou pode ser de situações recorrentes?
Pode ser um evento, como um acidente de carro, um assalto, uma doença, uma cirurgia, uma perda. Pode acontecer em uma pessoa que trabalha em uma situação de muito estresse e vai acumulando.
O trauma, se não trabalhado, que consequências pode trazer?
Como o sistema nervoso autônomo governa os nossos processos biológicos necessários para a nossa sobrevivência, como a parte de expressão, circulação, digestão, reprodução sexual, aparece em todos esses níveis. Muitas pessoas têm dificuldade de digerir, constipação, diarreia. Problemas de expressão, circulação, conexão com a outra, são muito comuns. Isso é um grande sintoma de trauma: a pessoa ter dificuldade de relacionamento.
A experiência somática traz uma cura ou é um tratamento que precisa ser continuado?
Algumas situações são muito rápidas para trabalhar, outras, como os traumas que acontecem por muito tempo e são repetitivos, demoram mais. A gente restaura essa capacidade e, depois, é manutenção, autorregulação. É da nossa natureza ser saudável, conectar com as outras pessoas, aproveitar a vida, viver bem.
A nossa realidade, com muita informação e violência, acarreta em mais traumas?
Tem relação. Muitas coisas de hoje existem há poucos anos, como internet, celular, carro, televisão. Ninguém sabe qual vai ser os efeitos disso no longo prazo, muitos estudos estão sendo feitos. Há muito estímulo hoje em dia; é muito importante que a gente restaure a capacidade de focar um estímulo de cada vez, senão sobrecarrega. Nosso mundo traz muitas coisas boas também, a questão é regular, como isso pode nos servir em vez de criar problemas.
Já há boas respostas para essa questão?
A gente tende a perceber (o problema) quando já é dor, quando já é doença. Mas há muitos sinais antes disso. Quanto mais a gente conecta com o nosso ser, o nosso corpo, a nossa presença, a gente percebe quando as coisas estão começando. É muito mais fácil lidar no início do que quando o problema já é grande.
Fonte: resilienciamag.com